“Existe uma Pri antes e outra depois do Bolotinha”, disse uma amiga que me conhece desde os meus 6 anos de idade. Ela sabe o que fala. Antes eu tinha medo de cachorros, eu não entendia o sofrimento de quem perdia seu bichinho de estimação – apesar do esforço de empatia – e eu era muito rígida com a casa: tudo deveria estar limpo, perfeito e no lugar. Depois que ele chegou, em setembro de 2009, quando eu e o marido ainda nos adaptávamos com uma casa nova, tudo mudou. E eu mudei.
Aquela bolinha de pelos que o marido viu em uma vitrine de petshop e me mandou foto com o texto: “olha essa manchinha marrom só em um olho. Vamos conhecer no fim de semana?”. Aquele serelepe que pulava mais que os irmãos, que em 45 dias de vida tinha conquistado todo mundo no petshop. Aquele que até o final latiu toda vez que o interfone tocou e soltou umas mordidinhas de leve por aí, assustando até muito marmanjo. Aquele que roubou a meia de todos os hóspedes que passaram por este lar.
Ele era uma bolinha de pelos. O nome era óbvio: Bolota. Queríamos um nome que um bebê pronunciasse com facilidade. Sim, porque um bebê já fazia parte dos planos: começaríamos a tentar no ano seguinte. Muitos passeios, bananas, afagos e broncas depois, ele continuava nosso companheirinho. Principalmente meu, a partir de 2016, quando comecei a trabalhar em casa e passávamos o dia todo juntos. Era escurecer pra ele vir pra perto de mim primeiro com aquele olhar insistente. Depois batendo no meu braço com a patinha. Eu já sabia: era a horinha sagrada da banana.
O Bolota enfrentou duas mudanças conosco, duas Copas do mundo, algumas viagens e muito passeios. Nos sete anos que passamos esperando pelo Raul, muitas vezes vinha se deitar no meu pé enquanto eu chorava para mostrar que estava ali. Como me disse outra amiga querida, “ele veio para a tua vida para te amparar em um momento difícil e ele fez isso tão bem. Ele cumpriu a missão dele”.
Quando o Raul nasceu, claro, Bolota deixou de ser filho único e, portanto, o centro das atenções. Estranhou. Ficou chateado, ralhou com o Raul, mudou o apetite… só que junto com essa mudança importante chegou a velhice. E, no começo desse ano, uma diabetes sem diagnóstico fechado ainda, nem pela clínica geral nem pela endócrino veterinária.
Estávamos fazendo nosso melhor, mas o apetite dele pela vida, aos 10 anos e meio, já estava indo embora. Junto com o apetite por banana. Quando ele começou a recusar sua fruta preferida, meu coração já se apertou e foi ficando pequeninho. Depois de três dias sem comer e com sangue nas fezes, precisou ser internado na última sexta-feira. Nesta madrugada, não resistiu: uma gastroenterite em cachorro diabético com insuficiência hepática levou a infecção generalizada e ele se foi para o céu dos cachorros.
Ontem, quando conversei com ele pela última vez, agradeci por tudo que fez por nós e expliquei que ele precisava comer para voltar pra nossa casinha. Ele fugiu da banana e da melancia e eu vi, então, que ele estava indo embora.
Fico feliz que tenha estado com ele em seu primeiro passeio no parque (em que, sem cerimônia, deitou bem no meio da canga que eu posicionei no chão para sentar com o “papai”), na primeira chuva que tomou (feliz da vida!) e também em seu último dia. O carinho e o amor desinteressado dele foram fundamentais para eu enfrentar os dias mais sombrios da minha luta contra a infertilidade. E eu recomendo a quem puder contar com esse amor que o faça de olhos fechados. Porque ele muda nossas vidas. Ele nos torna mais fortes, responsáveis, corajosos e comprometidos.
Hoje cedo, enquanto estávamos indo nos despedir dele na clínica, o marido lembrou, brincando, que ele “sofreu” os erros que cometemos com os filhos mais velhos: as exigências e o excesso de cuidados. Ele foi nosso estágio para ser pais, como sempre falávamos.
Hoje, dia exato em que eu completo 12 anos de São Paulo, vou ter que descobrir como é viver aqui sem ele. E só torço para que no céu dos cachorros exista muita comidinha gostosa, muito vento na cara e liberdade, muito carinho e muito colchão macio pra ele coçar a carinha.
Obrigada por tudo, Bolotinha!