Ontem (se você ainda não leu, clique aqui) eu publiquei aqui no Cadê uma entrevista com o dr. Wellington Andraus, coordenador de Serviço de Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da USP. Ele foi o responsável pelo primeiro transplante de útero doado por uma mulher que havia tido morte cerebral.
Mas a notícia desse transplante de útero é tão relevante e tenho certeza que vai dar esperança a tanta mulher que o papo segue hoje, dessa vez com o dr. Dani Ejzenberg, especialista em reprodução assistida e membro da equipe responsável pelo transplante no Hospital das Clínicas. Vem ver:
Cadê Meu Neném?: A FIV em uma mulher com um útero saudável é a mesma que em uma paciente transplantada? Por quê?
Dr. Dani: Não, porque as etapas mudam. Realizamos a fertilização antes que a mulher receba o útero. Só depois de aspirar os óvulos e ter certeza de que a paciente tinha bons embriões e uma chance real de gravidez foi que realizamos o transplante. Nesse caso, a paciente tinha síndrome de Rokitansky e, em alguns casos, esse diagnóstico leva também a uma alteração da posição dos ovários, o que pode dificultar a aspiração. Como a paciente não menstrua (por não ter o útero), acabamos fazendo ultrassons com mais frequência para saber o momento exato de iniciar o estímulo da ovulação.
Cadê Meu Neném?: O que poderia ter atrapalhado uma gestação nessa condição?
Dr. Dani: O uso dos imunossupressores durante a gestação pode causar restrição de crescimento no feto e facilitar infecções oportunistas. A rejeição do órgão durante o uso de imunossupressores também pode levar a abortamento.
Cadê Meu Neném?: Como vocês encontraram a paciente desse estudo? Onde e como outras mulheres podem se candidatar a participar de procedimento semelhante?
Dr. Dani: As pacientes do estudo foram recrutadas a partir de comunidades na internet que reúnem pacientes com Rokitansky. No momento, não estamos selecionando mais pacientes. Este tipo de procedimento até o momento é experimental e só pode ser realizado por equipes treinadas, em ambiente de pesquisa e após autorização dos órgãos competentes.
Cadê Meu Neném?: O transplante de útero seria recomendado para quem tem cistos no útero, endometrite, endometriose ou “útero invertido”? Por quê?
Dr. Dani: O transplante de útero pode ser recomendado para quem nasceu sem o órgão, para quem o perdeu de forma inesperada (no momento do parto, após cirurgia ginecológica ou para tratamento do câncer de colo uterino) ou em casos de graves aderências dentro da cavidade uterina, como a Síndrome de Asherman.
Cadê Meu Neném?: O útero transplantado transmite material genético para o bebê?
Dr. Dani: Não existe transmissão de material genético para o bebê, seja de doadora viva ou falecida
Cadê Meu Neném?: Quanto tempo a equipe do HC se preparou para realizar o procedimento todo (transplante + fiv + parto)?
Dr. Dani: Desde o início do estudo até o primeiro transplante foram dois anos e meio de estudo. Entre o transplante de útero e a transferência de embriões se passaram mais sete meses pra verificarmos se não haveria rejeição.
Cadê Meu Neném?: O transplante de útero com sucesso de uma gestação já acontece em outros lugares do mundo?
Dr. Dani: Até o momento, nosso caso é o único do mundo a utilizar útero de doadora falecida e conseguir um nascimento. Tivemos oito nascimentos na Suécia e um nos Estados Unidos de úteros transplantados de doadoras vivas.
Cadê Meu Neném?: Além do transplante de útero, estão ocorrendo outras evoluções semelhantes na medicina reprodutiva?
Dr. Dani: O transplante uterino e novas técnicas genéticas para avaliação do embrião são os maiores avanços na medicina reprodutiva nos últimos cinco anos.
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