“A adoção é uma gravidez diferente: não tem o romantismo de ver a barriga crescer. As respostas estão no coração e o segredo é saber ouvi-lo”

Quis o destino que eu nunca conseguisse engravidar naturalmente (qualquer dia, prometo, conto esta saga aqui). E isso nos fez adiantar o plano de partir para a adoção. Na família do meu marido, há várias histórias de adoção e, desde quando namorávamos, a ideia de ter um ou dois filhos biológicos e depois adotar estava naquelas conversas que os casais apaixonados fazem um para o outro.

E foi assim que chegamos ao fórum João Mendes. Logo descobrimos que a adoção é uma gravidez bem diferente. Começa com uma série de burocracias – são várias cópias de documentos e certidões – e entrevistas com assistentes sociais e psicólogas. Nada do romantismo de ver a barriga crescer e chorar de felicidade nos exames de ultrassonografia. Mas, ao frequentar o fórum, dá para entender os porquês de tanta formalidade nessa “gravidez” – há histórias bem pesadas de ‘bem-intencionados’ candidatos a pais adotivos.

Mas para adotar uma criança dentro da lei é preciso vencer essa etapa que, garanto, quando seu filho chegar vai parecer uma realidade bem distante, assim como a dor de parto, que as mães esquecem como doeu já no primeiro sorriso do bebê. Hoje, quase dez anos depois da minha primeira adoção, lembro que duas coisas me incomodaram muito nesse processo.

A mais grave, que aconteceu com meu segundo filho, foi um erro do cartório, que deixou o nosso processo esquecido em uma mesa por quase um ano. Coisas de funcionário público que esquece que trabalha para a sociedade. A segunda foi vivenciar que a Vara da Infância não está preparada para lidar com candidatos de classe média que querem adotar uma criança. Talvez nem deva estar, porque os problemas de meninas e meninos carentes nesse Brasilzão são muito maiores. Mas que isso incomoda, incomoda e muito. Ainda mais que estamos bem mais sensíveis e inseguros nessa busca por um filho.

Em minha primeira adoção, a minha mãe estava muito doente e a psicóloga do fórum alegava que eu não estava pronta para ser mãe por estar perdendo a minha. Foi difícil convencê-la que não era nada fácil vivenciar o sofrimento da minha mãe, mas que mesmo assim eu poderia – e queria muito – ser mãe. A psicóloga alegava que eu precisava ir mais ao fórum e a terapias, mesmo sabendo que eu fazia terapia particular. Ela segurou o meu processo por isso.

Na adoção, os casais seguem um processo para se tornarem aptos a receber uma criança. Além dos documentos e das entrevistas, há um questionário sobre o perfil da criança. Idade, cor da pele, sexo são as mais fáceis de serem respondidas. Mas há outras, como definir se aceitamos pais biológicos que usassem drogas, as doenças pré-existentes da criança, a situação jurídica do bebê. Confesso que é meio estranho ‘definir’ o seu filho colocando ‘x’ em questionários. E, meu marido e eu respondíamos sim para quase tudo…

Ao mesmo tempo, as crianças têm o seu processo para se tornarem aptas a ser adotadas. Basicamente é a perda da guarda materna e paterna. Em um dado momento, esses dois processos se encontram. E a assistente social liga para os candidatos a pais e conta que há uma criança pronta para ser adotada.

No nosso caso, a Karine nos ligou numa sexta-feira de outubro. Descreveu o pouco que sabia da pequena Giovana e perguntou se queríamos ir ao fórum ver o processo. Sim, queremos. Marcamos para a segunda-feira seguinte, mas meu marido deu um jeito de escapar do trabalho e ir no mesmo dia. Vimos a foto da Gigi e pedimos para conhecê-la. Apesar de autorizada a visita, o abrigo só marcou para a outra sexta-feira. Foi uma semana interminável. E a pergunta era uma só: será que ela será a nossa filha? Meu marido tinha certeza que sim, e um medo enorme de eu achar que não. Eu não tinha a menor ideia.

Ao chegar ao abrigo e ver uma menininha assustada na varanda do segundo andar, não tive dúvidas de que era ela e ali já comecei a chorar (até hoje ao lembrar desse momento lágrimas surgem nos meus olhos). Entramos e a pequenina fugiu da gente, dois enormes e desconhecidos adultos que queriam ficar com ela. De longe, fui brincando até que ela ganhou confiança e entrou na brincadeira. Em minutos, dormiu no nosso colo. Acordou já como nossa filha.

Com meu segundo filho, o processo foi semelhante (depois que descobri as razões do sumiço do processo). O fórum ligou numa sexta-feira de maio, uma semana antes do dia das Mães. Na segunda-feira, fomos ver o processo. Já no dia seguinte fomos conhecê-lo. Ao chegar no abrigo, o Igor me viu e começou a se desvencilhar do colo onde estava para vir em minha direção. Ele me escolheu.

Antes de conhecê-los, uma das minhas grandes dúvidas (e elas são muitas) era como saber que eles eram nossos filhos. Não tem resposta, mas desde que eles chegaram ao meu colo, senti que eram meus filhos, mesmo sem terem crescido na minha barriga. Acho que a resposta está no coração e o segredo é saber ouvi-lo”.

 

 

Suzana Barelli, 49 anos, mãe de Giovana, de 9 anos, e Igor, de 5. Suzana é jornalista especializada em vinhos e editora de vinhos da revista Menu

 


5 thoughts on ““A adoção é uma gravidez diferente: não tem o romantismo de ver a barriga crescer. As respostas estão no coração e o segredo é saber ouvi-lo”

  1. alice Responder

    participei de vários processos judiciais de adoção, e quando via o primeiro encontro dos pais com seus filhos ficava emocionada e sempre vinha o mesmo pensamento:
    – Acho que a cegonha errou o endereço do bebê, e Deus promove a entrega certa através da adoção. E o processo tão intenso e extenso deixa de existir no momento da ligação telefônica…ele(a) está aqui.

  2. Monica lopes Responder

    Amei… sonho em adotar meu filho…

  3. […] serzinho se desenvolver dentro de você, não poder amamentar. Sim, porque mesmo que o casal decida ... cademeunenem.com.br/mae-adotiva-pode-amamentar-a-relactacao
  4. Renata Responder

    Depois de 5 fertilizações pensei em adotar. Mas meu marido não aceita até termos um diagnóstico claro de infertilidade. E confesso que a beleza da barriga crescendo, o agir da natureza e de Deus dentro de nós sempre me deu esperanças de seguir em frente. Mas sempre quis adotar.

    1. Pri Portugal Responder

      Concordo que ter um diagnóstico torna as coisas mais fáceis para que a gente possa seguir em frente, Renata. E também concordo que adoção é a coisa mais linda. Torço pelo seu final feliz. Bjinho, Pri

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