O que faz você ser você?

Ontem estava no banho ouvindo meu álbum favorito no momento (Luminoso, do Gil) – obrigada, Spotify, pela graça alcançada – e, como acontece praticamente todas as vezes que escuto essas músicas, um trecho de uma delas (“Você e Você”) me fez viajar nos meus pensamentos. A letra é assim:

Diz o I Ching:
Divino é saber
O que distingue
Você de você

Você dos outros
Do outro você
Você do mundo
Do você do ser

E aí que me peguei pensando em algo que me vem à mente desde que o Raul nasceu – e até antes, pois é um assunto muito presente em todos os sites que falam da tal maternidade real: o que faz você ser você?

Sempre que a gente passa por um evento de transformação muito forte na vida – como o luto por alguém próximo, uma gestação, uma doença grave, um rompimento drástico, a decisão de parar de tentar engravidar, a maternidade… – ele chacoalha nossas estruturas de tal forma que é preciso passar por um processo de redescoberta. Afinal, quem eu sou agora que o furacão passou?

É um processo de amadurecimento que pode ser doloroso e prazeroso ao mesmo tempo. Quem perde seu marido para uma fatalidade precisa aprender a ressignificar essa dor para seguir adiante, mas de uma maneira que só essa pessoa vai saber fazer: é chorando dias a fio, é largando tudo e indo viajar, é se jogando no trabalho, é dedicando cada minuto do dia aos filhos? Eu não sei. Se você que está lendo aí também não passou por isso, te garanto que não sabe.

Quem se divorcia precisa lembrar de quem era antes de o outro surgir na sua vida – mas com toda a bagagem que tem hoje, claro. Depois que termina um tratamento contra o câncer, o paciente, antes tão caseiro e pé no chão, pode decidir que quer viajar o mundo, pois descobriu que é isso que fica da vida.

Quem vira mãe – não importa como – se depara com uma situação de dedicação total e irrestrita a um serzinho totalmente dependente. E não importa se é solteira ou casada, feminista ou machista, com rede de apoio ou sem… vai ter que se redescobrir. Eu mesma passei bem uns 4 meses praticamente sem sair de casa pela insegurança de deixar o Raul com outra pessoa e/ou expô-lo a riscos antes das primeiras vacinas, por exemplo. E olha que de caseira eu não tenho nada.

Quando penso nesse assunto, lembro muito de uma cena do filme “Comer, Rezar e Amar”, em que perguntam a Liz (vivida por Julia Roberts, caso você more em outro planeta e não saiba) algo como: “qual palavra te define?”. E ela responde com o óbvio: “jornalista”. Até que ouve: “Isso é sua profissão, não quem você é”. Desde que vi esse filme, em 2010, fico me perguntando o que me define. É claro que não se trata de uma prova de múltipla escolha e posso definir quantas palavras quiser, mas mesmo que o número fosse infinito, essa seria uma tarefa muito difícil. Você já tentou? Aproveite esse momento e anote aí: o que faz de você quem você é?

Eu, por enquanto, cheguei a: sol, festa, praia, família, amigos, viagens, energia positiva, samba, comidinhas gostosas em boa companhia, aprender algo novo, brincar, curtir a vida como se não houvesse amanhã, trabalhar, escrever, criar, conversar.

Primeira parte do desafio vencida, agora vem o mais difícil: o que deixei de fazer desde que me tornei mãe? O que mais me faz falta? O que passei a fazer com mais frequência depois que o Raul chegou? O que mudou em mim desde então? Quem é essa nova Priscilla?

Pode ser que eu esteja tratando com a razão elementos que são do plano da emoção, mas organizar as ideias me ajuda a entender minha vida e não simplesmente me sentir ao sabor do vento. Me faz perceber que eu sou a protagonista do meu destino e que tenho ao que me agarrar nos dias mais cansativos ou tristes – porque, sim, minha gente, quando a gente vira mãe a vida não se transforma automaticamente em uma cena do Pinterest. Mas isso é assunto para outro dia 😉

PS: Na foto, estou no lugar que mais amo no mundo: o Arpoador. Durante um carnaval. Mais eu, impossível.


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