“Descobri que o meu vazio era a falta de mim mesma”

“Resolvi escrever sobre infertilidade quando, depois de quase 9 anos tentando engravidar, descobri que o meu vazio era, na verdade, a falta de mim mesma.   

Minha vida nestes últimos 9 anos foi coberta de exames laboratoriais, ultrassons, ressonâncias, histerossalpingografias, fertilização in vitro, remédios, consultas, chás de todos os tipos, rezas, passes espirituais, dicas infinitas, mais de 100 frustrações mensais em toda menstruação que descia e inúmeras tentativas de coito programado que acabaram com a leveza do relacionamento. O que sobrou desta busca insana foi a solidão de um braço vazio e um casamento perdido. 

Uma sociedade que coloca a maternidade como única possibilidade de plenitude na vida de uma mulher acaba rotulando como absolutamente miserável e sem sentido a vida daquelas que não conseguem ser mães. A culpa, a vergonha e a tristeza de nunca ter sido abençoada com tal graça leva inúmeras mulheres a clínicas de psicologia, psiquiatras e até à morte por depressão.

Não é uma regra, mas geralmente (e foi o meu caso) um casal que deseja formar uma família se apoia nesta ideia muito antes de decidir concretamente. A simples ideia de filhos na vida deles é algo muito forte, que une e traz alegrias. Esse casal sonha e organiza sua vida contando que este momento acontecerá. A infertilidade raramente é cogitada e, quando ela acontece, dá-se início a um processo de devastação emocional, física e relacional. Uma sensação de vazio.

Decidi escrever para aquelas mulheres que estão sofrendo esse cenário, e, tanto quanto eu, buscam em outras mulheres uma similaridade de sentimentos que poucas pessoas conseguem entender.

Hoje, me sinto experiente para dizer a vocês: eu vivi tudo isso, ainda carrego muitas dúvidas e sentimentos no meu coração, mas consegui alcançar o que eu chamo carinhosamente de maturidade feminina. Todos estes anos de expectativas me tornaram uma ávida observadora de outras mães e de mulheres tentantes, e posso dizer que, sem dúvida, aprendi umas boas lições.

Algumas constatações sobre a mulher são importantes para entender onde quero chegar. Bem, em uma visão racional, a mulher, antes de ser mãe, é um ser completo (mesmo que muitas digam o contrário), ela cuida de si e de quem ela ama, trabalha, se diverte, se estressa, exatamente como a mulher-mãe. Depois de ser mãe, ela continua a ser um ser completo, mas com as responsabilidades e alegrias desta nova função que agregou para si.

Até aqui, tudo bem. Mas desde quando a racionalidade rege a humanidade? Desde nunca. Então, vamos para a visão sentimental. A mulher em uma visão sentimental é aquela que tem a missão de constituir sua família desde que nasce. Logo, um bebê artificial será inserido no contexto de vida desta criança, pois este é o maior e mais importante objetivo de vida que uma mulher deve ter. Esta mulher (incompleta) segue sua vida até chegar o momento certo para a maternidade, enquanto isso ela trabalha, cuida de si…etc. Mas, veja bem, nada é mais importante que esta criança que está por vir.

Achei muito interessante ver que a maioria das mães, depois que tinham seus filhos, sentiam uma profunda dificuldade de se encontrarem como mulheres, uma vez que só se viam na figura da mãe. Não é um tanto dicotômico? Uma mulher só é verdadeiramente mulher quando tem um filho, mas quando o tem, não se vê mais como mulher…

Isso é profundo e difícil de superar. Mas posso dizer que encontrei o equilíbrio. E não é sobre ser ou não ser mãe, é sobre não aceitar o julgamento alheio e a culpa imposta por um evento da vida. É sobre encontrar a plenitude de ser você muito além de ser mãe. Ser mãe é algo maravilhoso e que deve trazer uma sensação incrível de plenitude, mas também conheço muitas mães que não se sentem plenas apenas com a maternidade, elas querem ser reconhecidas pelo seu trabalho, querem crescer nas suas carreiras, querem viver outras experiências… e tudo bem.

Se eu pudesse dizer algo a todas as tentantes de primeira viagem seria: querida mulher, você pode conseguir no primeiro mês, no primeiro semestre ou no primeiro ano, mas se você não conseguir, tenha em mente que, antes desse bebê, existe uma mulher buscando ser feliz. Pergunte a si mesma sobre todas as coisas que lhe fazem feliz e vá em busca delas. Você é uma criança que cresceu, e é tão importante quanto a que está por vir. Entenda a sua jornada pela maternidade como apenas mais uma das inúmeras coisas que você faz na sua vida. Não coloque sua alegria de viver em risco, não se deixe contaminar pela ansiedade alheia e, por favor, coloque com o seu companheiro um limite nesta busca, para que vocês protejam ao máximo o relacionamento deste desgaste quase inevitável.

Eu ainda estou na minha jornada em busca do meu pedacinho de gente, mas posso dizer para vocês que esse neném já tem uma mãe plena, completa, cheia de energia e com muito mais maturidade para desempenhar esse papel do que aquela que era triste e vazia anos atrás. Penso que um filho não deve vir com a pesada carga de fazer o outro feliz, ou de preencher qualquer vazio dos seus pais. Um bebê, para mim, deve vir para ser feliz, nada mais.

Seja feliz, mulher. Você é completa. Busque sua plenitude em vários setores da vida e lembre-se: você não está sozinha!”

Joana G. Ronchi, 37 anos


17 thoughts on ““Descobri que o meu vazio era a falta de mim mesma”

  1. Gilmara Responder

    Que emocionante seu depoimento Joana! Estou exatamente na fase de esquecimento de quem eu sou ou o que me faz feliz… Há 3 anos tenho estado inerte entre gestações e luto apos as perdas. Sofri 5 abortos. Não sou em que momento me perdi. Talvez após o primeiro ou agora recentemente com o último. Esse resgate da nossa essência é necessário e vital para seguir adiante. Tentarei. Foi muito importante receber sua mensagem. Obrigada. Abraços

    1. Débora Responder

      Me sinto tão vazia, tão triste há 6 anos, com tantas frustrações, cirurgias, medo, solidão. Não está fácil, as vezes não sei se vou aguentar, talvez morra de tristeza. Mas que lindo e reconfortante seu relato, que bom que não estou sozinha nesta busca.

      1. Pri Portugal Responder

        Desejo que encontre força e acolhimento, Débora. De coração. Dá uma olhadinha nos depoimentos aqui do site que vai confortar seu coração. Bjinho, Pri

  2. Fernanda Responder

    Muito importante e emocionante seu depoimento. Vivo me sentindo vazia há pelo menos 7 anos. Muitos tratamentos e exames. Muitas frustrações. Não sei quando irei me reencontrar. É muito doloroso se sentir impotente, incapaz, incompleta, como se o mundo quisesse me castigar.
    Bom não me sentir sozinha e saber que outras mulheres estão passando por essa grande tristeza. Obrigada pelo seu depoimento, me tocou profundamente.

    1. Pri Portugal Responder

      <3 muito amor e muita força pra vc, Fernanda. Bjinho, Pri Portugal (criadora do site)

  3. Rafaela Cristina Maciel Pereira Responder

    “Você não está sozinha.” O foco e a busca pela tão sonhada maternidade me fez esquecer que existia outros pontos que precisavam de atenção e cuidados… Meu sonho era casar e ser mãe, simples assim ( imaginei que fosse…) Eu casei mas a 8 anos tento e nada… Agora me vejo assim perdida em minha própria história… tenho para contar consultas, exames, esperas, cirurgia, médicos dos mais variados… E claro vendo ao meu redor todos os meus primos, amigos, vizinhos, colegas de trabalho tendo seus filhos e seguindo a vida… E eu aqui parecendo estar estaguinada, afinal não direcionei para um segundo plano eu não tive um plano B. Não me atinei que sou uma mulher sempre em busca de ser feliz e ser melhor a cada dia… eu apenas foquei em ser mãe e aí quando alguém toca no assunto: vcs irão ter filhos quando? Já está na hora… me sinto acuada, frustrada, não sei o que responder… tento pensar em outras coisas, tento fazer planos diferentes, mas parece que eu atraio mulher grávida kkkk, crianças, assuntos com mães… Só Jesus na causa kkkk Parece que só sei falar desse mundo “maternidade” só que eu não faço parte… Joana, obrigada por partilhar sua história que se mistura na de tantas e tantas mulheres como eu… E Lembre-se você não está sozinha…

    1. Pri Portugal Responder

      Oi, Rafaela, bem-vinda ao Cadê. Somos muito mais que quase-mães (ou mães). É preciso que a gente se olhe no espelho todos os dias e lembre disso, pra gente não se perder da nossa essência. Por isso o texto da Joana foi tão inspirador. Bjinho e força pra vc, Pri Portugal (criadora do site)

    2. Ana Paula Responder

      Dói muito mesmo. É um desconforto constante.

      1. Pri Portugal Responder

        🙁 sinta-se abraçada, Ana. Bjinho, Pri Portugal (criadora do site)

  4. Ana Paula Responder

    Que alivio ler isto ;” Eu não estou sozinha”. Realmente só quem passa por está situação pode compreender nosso sentimento. Que todas possam se descobrir neste processo.

    1. Pri Portugal Responder

      <3 força para você, Ana. Bjinho, Pri (criadora do site)

  5. Ma Responder

    Nunca vi algo que tenha se encaixado tão bem com o que penso, sinto e passo. Cada palavra desse texto poderia ter sido escrita por mim… Foi lindo!
    Sou tentante há dois anos, sendo que os últimos quatro meses dei um tempo de namoro programado, exames, etc…tudo para poder correr atrás de descobrir quem sou e principalmente cuidar do meu relacionamento. Espero que a minha jornada não seja tão longa, pois é difícil passar por tanta dor e desilusão. Enfim, é muito bom saber que não estamos sozinhas. Obrigada por compartilhar a sua história.

    1. Pri Portugal Responder

      Fico contente que tenha se identificado, Ma. Bjinho, Pri Portugal

  6. Luciana Responder

    Encontro muita empatia nos seus textos, porque esses sentimentos, de fato, só entende quem passa. Essa experiência tem me tirado o ânimo da vida. Não no sentido de pensar em acabar com ela, mas eu sinto como se minha vida tivesse sem sal. Eu não tenho uma perspectiva de futuro. É como se “tanto faz” o que vier pra frente. Já perdi meus pais. Não consigo ter filho e dói pensar que tudo pode acabar aqui. Sinto como se não tivesse mais família. Tenho um companheiro maravilhoso. Mas até quando? Até quando ele vai entender e suportar minha tristeza? O dia que ele for, vou me tornar, pela primeira vez na vida, uma pessoa totalmente sozinha no mundo. A frustração de não conseguir ter um filho e constatar o fato de que talvez nunca consiga, tem afetado até uma coisa que é preciosa pra mim que é a fé em Deus. Quase que diariamente eu vejo mulheres sem condições financeiras e de dar instruções com seus 4, 5, 6, 8 filhos em escadinha. E as notícias na tv de mulheres que abandonam bebês ou mata seus filhos? E é inevitável pra mim o pensamento “por que Deus permite pessoas sem condições tenha tantos filhos, que muitas vezes crescem largados e eu não consigo um sequer”?
    E o sentimento quando abro a rede social e toda semana tem alguma felizarda postando a notícia de que está grávida? Eu olho e falo em pensamento “nossa minha filha, como você conseguiu”? Você teve uma relação com seu marido e pá pum, é assim que é a natureza né”? “Muito simples”

    1. Pri Portugal Responder

      Te entendo muito, Luciana. É uma grande dor e não tem como a gente não ter uma sensação de injustiça e questionar a própria fé é bem comum, mesmo. Posso te dizer que, ao contrário do que as redes sociais mostram, vc não está sozinha. Estamos juntas e conte com o Cadê nessa luta. Bjinho, Pri

    2. Maria Responder

      Já tenho 47 anos, sou casada(meu segundo casamento) meu marido tem os filhos dele, não tem mais vontade de ser Pai. Eu nunca tomei contraceptivo, nunca consegui engravidar, já fiz muitos exames, quanto tinha dinheiro não tinha o companheiro, hoje tenho companheiro e não tenho dinheiro para fertilização. Hoje é dia da Mães, sinto um peso enorme na minha vida por não ter filhos, me sinto incapaz, estranha e já no fim da linha pela minha idade. Não sei pq comigo, pq tenho instinto maternal com todos. Não sei pq Deus quer assim. Minha cabeça fica cansada de tanto pensar; aí sigo minha vida enfiada no trabalho, fugindo desse assunto.

      1. Pri Portugal Responder

        Querida, eu sinto muito <3
        Sua história me lembrou muito a de uma amiga querida, que deu depoimento aqui ao site: http://www.cademeunenem.com.br/eu-cuidei-de-sobrinhos-filhos-de-amigos-afilhados-mas-meu-maior-anseio-era-ter-a-barriga-e-amamentar-nao-tive-e-aprendi-a-respeitar-o-destino/
        Desejo que conforte seu coração. Bjinho, Pri

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